O que parece satisfatório, pode prejudicar uma história
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| Uma causa e a outra ajeita a bagunça. Amigos são para isso, né? |
Harô,
everynyan oh my gah!!!
Se você entendeu a referência, parabéns! Você é uma pessoa
culta e feliz.
Por esses dias, eu estava lendo e relendo tudo que eu
escrevi sobre “Luz da Lua Cheia” (o que já fiz um zilhão de vezes) e comecei a
refletir sobre um tema bastante comum, principalmente em animes, mas que também se faz presente em diversas outras mídias fictícias
mundo afora. Hoje vou falar um pouco sobre o que conhecemos como poder da amizade e tentar ver as
semelhanças e diferenças desse fator, que muitas vezes é sim importante para um
enredo, com o chamado poder do
protagonismo, que, por sua vez, é uma das saídas mais criticadas em uma
obra.
Já tinha falado lá no meu artigo sobre a importância dos
personagens (link) sobre como algo incoerente com os acontecimentos da história
pode causar uma sensação de estranhamento, e até aumentar a rejeição sobre um trabalho.
E um dos fatores que contribui para essa visão negativa é exatamente esse.
Acontece que, por muitas vezes os termos poder
da amizade e poder do protagonismo
acabam se confundindo, justamente porque o autor usa o apego entre dois ou mais
personagens para achar a saída de um problema que surge ao longo do conto.
Isso, tal como vários outros clichês dos quais são impossíveis fugir, chama-se
“função narrativa”. E, de fato, em boa parte dessas ocasiões, saídas
proporcionadas pelo poder da amizade nos causam uma sensação de
satisfação. A razão disso? Pelo menos 90% das vezes em que essa saída é usada
acontecem porque algum personagem próximo do protagonista se deu mal. E em boa
parte das vezes, também se tratava de um personagem querido pelo público, o que
gera um sentimento de desejo de vingança, se assim pode se dizer, por parte de
quem acompanha a obra.
Tá, mas... se eu tô aqui, validando essa saída que, lá no
início, eu disse que era tão criticada, então qual é o fundamento desse artigo?
Calma. A resposta vem agora...
O que dita a reação do público não é a cena em si, mas sim a
sua construção em passagens anteriores. No artigo sobre os personagens
(link, de novo, porque nunca é demais) eu bati bastante na tecla da “coerência
narrativa”. Explicando rapidamente, é o fato de um acontecimento que ocorre no
meio ou final da obra, que tem um embasamento em algo que ocorreu, ou ficou
implícito que poderia acontecer mais adiante. Isso é o que diferencia um
acontecimento coerente (poder da amizade) de uma função narrativa
completamente deslocada, feita apenas para solucionar um problema (poder do
protagonismo).
Vou exemplificar usando duas das minhas obras favoritas, as
quais, creio eu, que boa parte da minha geração já tenha assistido e guarde na
memória: Dragon Ball Z e Cavaleiros do Zodíaco.
Antes de tudo, sim. Quero dizer que há muito da parte do que
eu chamo de poder do protagonismo em DBZ. Mas, isso acontece mais após a
saga do Freeza. Sem contar que se encaixa melhor no contexto da série, uma vez
que a régua de poder não para de subir, o que também não muda o fato de que
alguns acontecimentos são puramente “conveniência narrativa”. Porém, uma das
cenas mais épicas da série (e, certamente, da história dos animes em
geral) tem sua construção desde o início da história (sem contar a série
clássica, claro). Acho que vocês já perceberam que vou falar da cena em que o
Goku se transforma, pela primeira vez, no famoso Super Saiyajin. Para
aqueles por quem o enredo passou despercebido, o SSJ foi mencionado pela
primeira vez ainda no episódio 5. É uma menção bastante breve e,
inicialmente, não dá a entender que seria uma transformação, ou que teria alguma importância mais tarde. Prova de sua
sutileza é o fato de que boa parte daqueles que nunca olharam DBZ por mais de
uma vez, ou um pouco mais, talvez (291 episódios não é pouco), sequer lembra da
cena. Até que, já na mencionada saga do Freeza, o Vegeta sim, aquele
personagem que o Akira criou para todo mundo odiar, e todo mundo ama por mais
cagadas que faça começa a mencionar mais a lenda do guerreiro que seria
capaz de derrotar o grande vilão do arco, tendo sido o temor pelo surgimento
deste super guerreiro o motivo que o levou a destruir o planeta da raça. Então,
depois da morte do personagem, ocorrida já durante a luta final, não se fala
mais no assunto, até o momento em que o Freeza mata o Kuririn sempre o
Kuririn. Aí, acontece a cena. Ou seja, houve uma construção até o seu
acontecimento. Não foi algo que surgiu do nada, mas sim, um fator já mencionado
que foi inserido no contexto do enredo ainda em seu início, como parte de uma
lenda, o que gerou uma das lutas mais memoráveis da história dos animes e
os 5 minutos mais longos da história.
Agora, falando do outro lado da moeda, bora discorrer sobre CDZ.
Antes, novamente me explicando (é um saco, mas necessário) não sou nenhum hater
de CDZ. Pelo contrário. Acho uma das temáticas mais viciantes que já vi em um anime.
Os personagens também eram incríveis e certamente é uma das obras com as
melhores cenas do estilo deus ex-machina. Em especial, por causa dele...
Ikki de Fênix, vulgo rei das entradas épicas. É uma obra que possui
personagens extremamente marcantes. Protagonistas, secundários, antagonistas...
e o Seiya. Cara, o Seiya é um dos protagonistas mais odiados da história. Ele
faz parecer que todos os outros personagens da saga são carismáticos, menos ele,
quando a gente sabe que isso não é verdade (no caso, estou me referindo ao fato
de haver mais personagens de pouco carisma, e não que o Seiya seja carismático).
E isso não é pela personalidade dele, tampouco pela construção do personagem,
que eu, sinceramente, acho bem rica. O motivo de todo esse desgosto é
justamente o que eu falei sobre poder do protagonismo. Você pode até
discordar de que ele seja um protagonista odiado, mas não pode negar que ele é
o protagonista que mais vence depois de passar a luta inteira levando uma tunda.
Cara... é impressionante! Tem lutas onde ele passa o tempo todo levando um
sarrafo infinito, fica mais torto que pardal de Chernobyl, e aí, do nada, ele
grita SAORIIIIIIIIIII... tira poder do céu sem o é, solta um poder igual a
todos os que ele sempre usou a série toda e derrota um cavaleiro de “sei lá o
quê” que, até dez segundos atrás, parecia invencível.
E eu não posso deixar de falar da luta com o final mais
anticlímax da história, que foi a batalha contra o Saga de Gêmeos. Mano...
aquilo foi uma aula de como uma luta que tinha tudo pra ser épica consegue
terminar de uma forma onde a palavra “esdrúxula” atinge níveis que nós não
sabíamos existir. Véi... o Seiya apanha do início ao fim, perde os cinco
sentidos e vira um saco de pancadas de carne e osso, nas mãos do principal
vilão daquela fase da história. Eis que, de alguma forma que só Deus sabe como,
ele consegue apontar a porcaria do escudo pra Saori e salvar ela. Então, ela
vai lá, basicamente ressuscita os aliados (eu sei que eles não estavam mortos,
mas não faltou muito) e parte com eles pra encrenca, levando ainda alguns
outros cavaleiros de ouro. Mesmo assim, o Saga ainda era “cuiudo” suficiente
pra chamar todo mundo ali pro fight, enquanto usava o Seiya pra encerar
o chão da sala do mestre. É aí que todos usam um ataque combinado que manda o
Saga pro espaço... e o cara volta como se não tivesse acontecido nada. E isso
depois de já ter sido rejeitado pela armadura. Mano... vocês têm noção do que
eu falei? Os caras mandaram ele pro espaço! Ele foi golpeado sem a proteção da maldita armadura! E ele ainda voltou, cheio de
gana pelo pescoço da Saori (sem pensamentos ilícitos, pessoal! Ela tem 13 anos,
apesar de não parecer. Os traços dos anos 80 eram meio sus). Eis que, já
querendo meter a porrada em todo mundo, o cara vai igual o caramunhão pra cima
da mina, e... morre porque ela, vendo que ia levar um foguete no rosto, se
assustou, acabou baixando o cetro e o Saga não conseguiu desviar, indo com o tanquinho direto na extremidade do cajado, dando esse
final “incrível” para a saga do Saga (sempre sonhei em fazer esse trocadilho). Eu
lembro que quando eu vi essa cena, eu fiquei até o dia seguinte pensando: “não!
Ele não morreu, né?! Ele deve ter desmaiado. Até porque ele já tava lutando há
muito tempo... então, ele deve ter só desmaiado. Não tem raios como um vilão
daquela magnitude ter morrido com aquilo. O cara consegue abrir dimensões! Não
tem como ele ter morrido só porque literalmente levou uma paulada no estômago!”
Senhoras e senhores... ele MORREU! Cara, eu tinha 11 anos quando vi
aquela cena (na real, tinha bem menos quando vi ainda pela TV Manchete, mas aí
as memórias são muito vagas e eu ainda não tinha capacidade pra analisar o
enredo), e juro... entre a minha infância e mais ou menos metade da minha
adolescência, eu não era muito enjoado pra escolher o que eu queria assistir até
porque no interior do RS, em pleno ano de 2004, as opções de uma família de
classe média não eram muitas. Mesmo assim, eu fiquei com aquela sensação
de... sério mesmo?! Pra ser sincero, até hoje eu não tenho muitas
palavras pra descrever o meu sentimento exato e a minha real reação sobre
aquela cena. Foi a mais pura (e pior) solução narrativa que vi em um anime.
Como eu disse, sou fã de CDZ e acho incrível a temática, a maior parte do
enredo e, principalmente, as armaduras (se eu entendo o mínimo de astrologia
hoje, foi graças a isso). Mas esse encerramento de arco foi impossível de
engolir.
Mas, mundo afora, existem outros exemplos que, dado seu
contexto, talvez sejam ainda piores. Quem aí se lembra de animes como Soul
Eater (nesse caso somente o anime, já que o final é diferente do
mangá, esse sim muito bom), Yu-Gi-Oh (vários duelos da primeira geração, onde os protagonistas roubavam mais que a arbitragem brasileira)
e Fate/Stay Night: Unlimited Blade Works (nesse, eu tô pisando em um
campo minado. Até porque eu amo a franquia Fate não a das Winx, tá?
Mas, convenhamos... era impossível derrotar o Gilgamesh). Sem contar os
milhares de antagonistas que o Naruto conseguiu trazer para o lado do bem só
com um discurso bonitinho. Eu sei que, nesse último caso, a mensagem que a obra
tenta passar é muito bonita. Sem contar que, convenhamos, o universo Naruto
(pelo menos antes do Boruto, porque, admito, não aguentei mais de 30
episódios) é uma referência quando se trata em construção e aprofundamento de
personagens. Pode ter uma porrada de coisas pra reclamar, mas essa não pode ser
uma delas. Mas, voltando ao foco, a gente sabe que não dá pra mudar todo mundo
só com palavras. Pelo menos a série trata de retratar isso também, embora em
menor escala.
Mas, existem casos em que, sim, o poder da amizade
joga a favor da história. Aliás, mais até a favor do enredo do que dos
personagens. Uma obra que eu vejo como grande exemplo disso, é Puella
Magi Madoka Magica (ou Mahou Shoujo Madoka Magica). Essa
é uma das minhas obras favoritas e o centro é justamente mostrar até onde
alguém está disposto a ir por uma amizade. Sério... é angustiante ver tudo o
que a Homura passa ao longo da série, simplesmente porque o único desejo dela é
salvar a amiga. Eu acho a mensagem dessa história uma das mais poderosas que já
vi. Vale muito a pena ler/assistir mas não me responsabilizo se você morrer
desidratado pelos olhos. Também dá para citar o clássico Fullmetal
Alchemist, onde há sim, um emprego à filosofia do poder da amizade.
Contudo, pelo menos a meu ver, tudo muito bem embasado, onde quando não há
chance de vencer pelo poder, usa-se a inteligência. Nada é exagerado ou
desconexo e o worldbuilding é bem definido. Na minha opinião, talvez
seja o melhor Shonen já feito.
Em geral, as amizades têm muito a acrescentar em uma obra.
Sejam elas já existentes antes do início do plot, ou as que se constroem
com o andar da obra vulgo amigos que fazemos pelo caminho. Essa piada
já tá batida. Em geral, são elas que acabam servindo como motivação para os
personagens. O apego a um amigo pode desencadear uma reação que já havia sido
prevista pelo tema, ou iniciar uma aventura em busca de algo. A perda de um
amigo pode gerar um sentimento de comoção ou de ódio. Busca por justiça, ou
pura vingança. A intervenção inesperada de um amigo, ou sua introdução ao tema
principal da obra também pode ser algo útil, caso o autor saiba trabalhar com
todos esses elementos. É só parar e pensar em quantas obras há uma dupla ou um
grupo de amigos que possui uma utilidade narrativa funcional e coerente em seu
contexto.
Outra coisa à qual é preciso se atentar quando sua
imaginação será colocada na ponta do lápis, é o arquétipo dos personagens que terão
sua amizade explorada. Não existe uma ligação específica entre arquétipos para
se colocar em prática como uma amizade. O que é necessário ter atenção, é a
“química” entre esses personagens. Sendo mais específico, a maneira que essa
amizade vai funcionar, suas interações, suas maneiras de resolver os conflitos
do roteiro e sua influência sobre o personagem companheiro, mas sempre em acordo com a sua personalidade. Pelo meu ponto de
vista, é necessário que um personagem acrescente ao caráter de quem
ele acompanha, mas não o mude. Exemplificando: um personagem de atitude
fria e contida, que pouco se importava em ter alguma interação com qualquer
tipo de pessoa, acaba entrando em uma aventura com um companheiro extrovertido
e energético. Ambos constroem um visível apego mútuo com o passar da história.
De repente, algo acontece e o amigo feliz desaparece em um incidente e é dado
como morto. Mais adiante, se descobre que ele não morreu. Ele reaparece e volta
para a vida do amigo. Imagina-se que o amigo “sobrevivente” vai passar por todo
aquele turbilhão emocional que conhecemos, sentindo tristeza, angústia, raiva, desespero, etc... papo hoje tá bom, hein? Bom
almoço pra você também. Mas, quando souber que o amigo está bem, ou
relativamente bem, pelo menos, certamente vai ficar feliz. Porém, sentir tal
felicidade não significa sair “dando pulinhos de alegria” por aí. É certo que
ele ficará contente em se reencontrar com alguém que lhe é querido, mas
certamente sua reação, vista sua personalidade ao longo de todo o caminho, será
mais contida. Ou seja, ele ainda é o personagem que conhecemos no início de
tudo, mas com um acréscimo feito por alguém que conheceu e se apegou ao longo
de sua jornada. Tudo isso, claro, sendo dado como um exemplo bem raso. Claro
que há, sim, eventos capazes de mudar uma pessoa. Um personagem, neste caso.
Porém, são eventos traumáticos, no geral, o que nos leva para a já mencionada
parte sombria do tema deste artigo.
Lembre-se: amizades podem definir o rumo de uma obra. Mas
serão os personagens individualmente quem farão, ou não, com que ela seja um
elemento importante e coerente.
E assim, chegamos ao fim de mais um devaneio semanal.
Sério... eu gostaria de ter a habilidade que tenho para escrever na minha fala.
Se eu estivesse conversando com alguém, é provável que eu tivesse resumido todo
esse texto com um “legal”.
Sendo assim, espero ver vocês aqui, na semana que vem. Seja
de onde for. Singapura, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Hong Kong (sim, já vi
visita até de lá)... vocês sempre serão bem-vindos!
Bom domingo (ou segunda, dependendo de que lado da LID você está)!

Olá Shinato 👋🏽 que post da hora ☺️ Eu adoro Cavaleiro do Zodíaco, já assisti várias vezes, meu marido também adora, ele diz que quando era criança, se juntava com o irmão e os amigos na frente da tv de tubo com a imagem ruim 🤭 e assistia todo dia, ele era o fênix 🤭. Olha, concordo com vc sobre essa batalha, e acrescento mais, eu gosto da série mas essa Saory sendo carregada a temporada inteira e não fazendo nada, me irrita profundamente 🤣🤣🤣 Enfim, ótimo post e sucesso 🤗
ResponderExcluirOi, Aline! Obrigado por prestigiar meu blog de novo! Meio q passei pela mesma realidade, e eu acho que não existe um fã de CDZ que não quisesse ser o Ikki, e que não tenha morrido de raiva da Saori rs. Esse post foi meio que na mesma linha do artigo sobre os personagens, pq foi mais a minha opinião sobre o que eu acho de determinados elementos. Fico feliz q você gostou. Seja bem-vinda quando quiser! :)
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